Entre Ano Novo e Natal!

Se entre Natal e Ano Novo você sentiu tristeza e preocupação por permanecer com dívidas e contas que quer honrar, mas provavelmente não terá como quitar nas datas de vencimento; se teve projetos frustrados e permanecem incertezas se conseguirá viabilizar esses e outros; se você ou pessoa amada está com enfermidade grave; se ente querido faleceu; se teve desavença com alguém próximo ou estranho; se deu palpites na vida alheia e se irritou com os dos outros na sua; se falou de pessoas pelas costas o que não lhes diria à frente; se falou em tom professoral sobre assuntos dos quais sabe pouco ou nada; se reclamou, sugeriu e exigiu de agentes e instituições o que lhes cabe fazer, mas não fez a parte que lhe cabe enquanto partícipe da coletividade; você não está só: milhões de pessoas passaram por essas e outras situações medíocres.

Se entre Natal e Ano Novo você mentiu, invejou, cobiçou, adulterou, foi preguiçoso, omisso, indiferente, egoísta; exagerou nas garantias de que gostou de presentes os quais detestou e nas simulações de satisfação ante companhias que não queria ter; se emitiu uma daquelas escapistas, distorcidas e reducionistas definições de Natal disseminadas por gente famosa ou com mais estudo ou dinheiro, que geralmente gosta de falar e nem sempre costuma saber do que fala, repetiu-se em proclamar que é época de paz, amor e fraternidade, mas, mal viveu isto com os seus mais íntimos, quanto mais com os inúmeros excluídos sutil ou explicitamente espalhados pelo mundo, a começar pela família e vizinhança; se participou de celebrações religiosas mais por obrigação e com superstição e menos com satisfação e convicção; se, dizendo-se cristão, se fartou feliz nas comilanças e viagens avidamente sonhadas, programadas e participadas, nas quais Jesus sequer foi lembrado para enfeites natalinos ou foi descartado para você não ser alvo da chacota de companhias descrentes; se suas orações foram permeadas por bebedeiras e outros abusos que as contradisseram; se, teimando em se dizer cristão e engajado, estendeu as férias às celebrações litúrgicas, tal como costuma fazer na Semana Santa, Páscoa e em Corpus Christi, para voltar só dias úteis seguintes ou após o Carnaval; se, enfim, mais encenou humildade e mais esbanjou vaidade; você não está só: milhões de pessoas fizeram essas e outras pequenezes típicas da natureza humana.

Se você é realmente digno e tenta manter-se e crescer em sua dignidade, no primeiro parágrafo estão alguns exemplos de situações pelas quais um digno não quer passar, mas, por uma infinidade de variáveis e imprevistos, passará: poderá se constranger, se revoltar, vacilar, cansar, duvidar, porém, escolherá viver de fazer o que estiver ao alcance de um digno para entender e resolver o que puder, e o que não conseguir aceitará e administrará com sabedoria e serenidade.

Se você é realmente digno e tenta manter-se e crescer em sua dignidade, no segundo parágrafo estão alguns exemplos de situações pelas quais um digno não quer passar, mas, por uma infinidade de variáveis e imprevistos, passará: só que, durante ou após cada situação, tenderá a se envergonhar por saber ter sido farsante e ainda mais medíocre, sendo esta a primeira etapa para corrigir-se, recuperar-se e fazer jus à própria dignidade. Se não acontecer a vergonha, a admissão da farsa e do quanto se foi ou é extremamente medíocre, seguida da vontade e atitude para reincidir cada vez menos até eliminar ou reduzir o joio interior, então, não existe dignidade ou ela tem sido preterida. E se você se diz cristão: é possível ser digno e não ser cristão ou outro crente, mas, é impossível ser cristão sem ser digno!

Entre Natal e Ano Novo mesmo os indignos mais renitentes, conhecidos, flagrados e condenados judicialmente por algumas de suas indignidades, confraternizam e compartilham votos de paz, saúde, felicidade, prosperidade, e nisso podem ser sinceros, assim como os dignos nem sempre o são. Porque imperfeitos todos, quanto à dignidade, uns experimentamos ocasiões de indigência dela e outros de fartura: no atacado e no varejo da vida, segundo entendimentos e interesses de cada pessoa e grupo. Entretanto, respeitadas as nuances peculiares à diversidade de culturas e individualidades, mundo afora se pôde e pode depreender um norte estabelecido pelo senso comum, pela experiência e pelas leis, que define, ainda que sem unanimidade, o que é dignidade; e esta facilmente pode ser aceita como tão convergente quanto inseparável ou sinônimo do espírito natalino tão propalado entre Natal e Ano Novo até por não cristãos, e tão ignorado entre Ano Novo e Natal até por cristãos.

No Ano Litúrgico, também durante o Ciclo do Natal a Sagrada Liturgia parece se repetir, porém, em verdade, reitera a oportunidade de começar ou continuar a conhecer o Mistério Pascal de Cristo, aderir e se realizar. Para tanto, tal como o Ciclo da Páscoa, o mais importante, o Ciclo do Natal oferece tempo de preparação, de celebração e de graça, algo que inicia bem antes e se estende após aquele dia vinte e cinco. Por que parece, mas não é repetição? Em Jesus, O Salvador, Deus, Aquele que Salva, completou a Revelação de seu propósito para todos, acessível com ajuda do Espírito, Aquele que Inspira e Ilumina. Se alguém aceita que a Boa Nova (Evangelho) é sempre perfeitamente boa, atual e suficiente, então, resta esforçar-se por depreender a diferença entre a mesmice de apenas repetir-se, o que muito se observa entre Natal e Ano Novo; e a oportunidade de atualizar-se,  renovar-se, inovar-se (inspirar-se e iluminar-se), o que pouco se observa entre Ano Novo e Natal.

A mediocridade não é necessariamente um defeito ou erro, é só a condição de ser igual a qualquer um: que seja um conforto, só não seja arapuca que acomoda, engana e prejudica. Votos de Natal e Ano Novo, se espera, sejam dados como se dá bênção: palavra boa, que sai da boca, passa pela mente, mas, nasce e habita no íntimo de quem a dá. Quem recebe com vontade faz bom proveito, mesmo que quem dê o faça só com a boca, vítima de mente escrava da torpeza e tibieza, portanto, da mediocridade (a mesma que pode vitimar quem despreza o que recebe de bom).

Que entre Ano Novo e Natal, você e eu, ainda que continuemos obras imperfeitas, inacabadas e inacabáveis, escolhamos cada vez mais priorizar a nossa dignidade, com ela nos impregnemos do genuíno espírito natalino, que nada tem de medíocre, tudo tem de inovador, inspirador e iluminador. Que, assim, ajudemos a edificar um novo ano civil e secular, para o que determinantemente muito contribui entender e vivenciar o corrente Ano Litúrgico. Em assim sendo, quando vierem os próximos breves dias entre Natal e Ano Novo, que estarão entre o então recém iniciado próximo Ano Litúrgico e culminarão com o inicio do vindouro ano civil, nós nos flagremos pessoas melhores que hoje e que já correspondiam e desfrutavam mais e melhor daqueles belos e graves votos!

José Carlos de Oliveira

Publicação original em 2 de janeiro de 2018

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