Morno a frio

Não escrevi na primeira pessoa do singular para me exibir e nem para ofender. Falei um pouco do que acontece comigo para que você se inspire a fazer uma honesta reflexão do que tem acontecido consigo. Todos os dias se pode transformar em Natal, ocasião propícia para nascer uma pessoa nova e melhor: cada um, quem quiser…

Aos trinta e três anos de idade comecei a dizer sim para Ele, não mais do modo morno com o qual muitos dos seus mais fiéis seguidores fazem e eu fazia: passei a aceitar o modo quente. Fui percebendo gradativamente, nada foi imediato e tampouco aceitei mansamente…

Antes, jamais me faltou dinheiro e construí patrimônio modesto, porém, superior ao mínimo para viver materialmente bem. E mais teria se escolhesse continuar entre morno e frio para as coisas d’Ele; afora outras conquistas para o prazer, o poder, a aparência etc. Honesto e crente n’Ele, produzi erros, alguns, propositais, inquieto por saber que havia a opção de mudar para morno a quente…

Antes e depois, sistematicamente neguei oportunidades para, possivelmente, fazer carreira e dinheiro na comunicação, na política e na religião. Inquietava dizer não. Aquietava dizer não. Sabia ou sentia o que acontecia e negava aceitar. Agora aceito mais e melhor, ainda buscando alcançar aceitação plena: sem pressa, no tempo e do modo d’Ele, mas, com muita vontade minha.

Parei de perguntar a Ele por que escolhi dizer não para oportunidades inicialmente do meu agrado, pois para aceitar teria de contradizer o cristianismo ao qual tentava e tento seguir. Ou, por que, quando estava bem, n’algum momento fui retirado ou retirei-me, pelo mesmo motivo. Ou, tive de dizer não de antemão, por não poder conciliar com outros compromissos. Parei de perguntar por que tanta gente sem fundamentação fala d’Ele na mídia e em todo lugar, alcança audiência, popularidade e até dinheiro, fazendo e ensinando errado – vários, com boa fé, outros, nem isso.

Parei de perguntar por que, tido por possuidor de excelência profissional, segundo atestam pessoas que comigo interagiram, cometi erros que geraram prejuízo do qual até hoje não me recuperei. Só não paro de pedir discernimento para que meus queridos e amados sejam parceiros e beneficiários do meu desapego material e não vítimas…

Moro num país onde incontáveis governantes, legisladores, judiciários, comunicadores e pregadores são o oposto do que seus discursos dizem; os de bom caráter, não poucos, são acomodados e, até, covardes. Um país no qual a maioria das pessoas não tem cuidado com os seus resíduos orgânicos e recicláveis, tampouco com os recursos naturais. Onde grande parte dos alimentos é desperdiçada. Onde apreço por cumprir trato e contrato, pontualidade e assiduidade quase só estão na encenação e no dicionário. Onde, entre estudar e aprender, ou colar, decorar e outras falcatruas comuns no arremedo de aprendizado, geralmente, fica-se com a segunda opção. Onde de cada quatro alfabetizados, três são analfabetos funcionais (incapazes de entender um texto ou se expressar direito por escrito). Onde quase todos condenam a corrupção alheia enquanto praticam-na, até sem se aperceberem como corrompidos ou corruptores. Onde sobra quem fale de tudo e todos, não importando se sabe do que fala e se o que faz é justo, sem admitir que façam isso consigo. Onde sobra quem vive de preguiça de escutar o outro e respeitar suas opiniões, sentimentos e decisões. Onde sobra gente com aversão ao trabalho e ao saber. Onde, entre os que sabem, aparece quem se ache melhor que aquele que não sabe ou sabe menos.

Moro num país onde quase todos se dizem cristãos e pessoas de bem, milhões vão à missa e culto, oram pelos pobres, drogados, doentes, idosos e crianças abandonadas, dão esmolas e doações, comem mais do que precisam, doam marmitas ou cestas, porém, quase todos não têm coragem de literalmente acolher, ajudar e comprometer-se com alguns daquela gente em suas casas, igrejas e vizinhança. Afinal, aqui é onde se reza ou ora, clama e reclama, exige e revolta, mas, não se participa concreta e inteligentemente das justas causas coletivas. Se aceita Jesus, mas, nega-se fazer como Ele fez ou faria se voltasse agora!

Quando o fácil é prosseguir entre morno a frio e assim ser aceito por quase todos, ser tido por sociável e agradável, parei de insistir em servi-Lo do meu modo e humildemente passei a dizer sim e aceitar servi-Lo a Seu modo. Aceitei o difícil como sendo a missão: assim me parece e se não for Ele dará um jeito de clarificar – tenho aprendido a mergulhar no infinito que não vejo, mas sinto, acredito e creio cada vez mais.

Falível, limitado e aprendiz, minha missão tem sido provocar fraternalmente com a intensidade que incomoda.

Nas atividades às quais apelidei de pastoral empresarial, tais como associação empresarial, conselhos de bairros e de segurança, sinto gigantesca falta da presença e apoio de católicos e outros cristãos de verdade. Mas não arredo pé e estou nelas para ajudar os sérios; e para incomodar os sensacionalistas, oportunistas e parasitas do dinheiro alheio, os embusteiros mercantilistas autoproclamados porta vozes e tesoureiros de Deus. Nestes círculos e entre alguns dos poucos ouvintes, leitores, espectadores e interlocutores que dão atenção ao conteúdo que produzo ou de terceiros que compartilho, alguns retaliam, se afastam, me evitam e outros se aproximam e me procuram; entre uns e outros, aparecem os que apreciam e aderem ao convite para experimentar mudar de morno a frio para morno a quente.

Sim, moro num País no qual também tem gente boa, entre morna a quente!

José Carlos de Oliveira

Publicado originalmente 1 de dezembro de 2013

Obs: este artigo resultou de outro – Morno a quente.

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