Propaganda ideológica

Tempos atrás, quase bastava informar a serventia do produto e onde comprá-lo. Hoje, com a concorrência e consumidores mais esclarecidos e exigentes, a publicidade também deve ser um espetáculo que prenda a atenção, entretenha e seja bem persuasivo para convencer que aquele produto, serviço ou empresa é melhor e deve ser comprado ou utilizado. É a publicidade ou propaganda comercial. A propaganda eleitoral apresenta candidatos a eleições aos Poderes Executivo e Legislativo como merecedores do voto do eleitorado: enaltecem suas qualidades pessoais, as obras que fizeram e as que farão se eleitos etc. São muitas as etapas de produção: empresas especializadas estudam profundamente cada detalhe do produto, serviço, empresa ou candidato; identificam quais são os potenciais consumidores, usuários ou eleitores e seus hábitos, desejos, carências, particularidades etc. Preveem suas reações ante o que lhes será apresentado, nos horários, locais e modos mais atraentes e compreensíveis para eles. Mesmo que se deixem influenciar, normalmente sabem do propósito da propaganda; alguns são capazes de optar por não “recebê-la”, bastando não prestar atenção. Mesmo em realidades mais simples pode-se fazer propaganda: na eleição da associação do bairro, na venda de doces caseiros de porta em porta, por exemplo. A propaganda comercial e a eleitoral tentam levar à prática de uma ação: uma compra, um voto.

Já a PROPAGANDA IDEOLÓGICA geralmente sequer é conhecida. Pode estar escondida nas outras propagandas. Pessoas conscientes dela podem ter dificuldade para identificá-la. Seu OBJETIVO É INTERFERIR NAS IDEIAS, OPINIÕES E CONVICÇÕES DAS PESSOAS, ORIENTANDO SEU COMPORTAMENTO SEM QUE SEQUER DESCONFIEM DISSO. É difícil perceber a mensagem real, pois, ela não é explícita. Pelo contrário: as pessoas são levadas a aceitar como verdadeiro, correto e melhor para si e a coletividade aquilo que é da vontade, opinião e interesse apenas, ou principalmente, do emissor da propaganda ou seu contratante. Sempre existe grupo a querer impor sua ideologia a outro grupo ou a uma coletividade maior para a conquista ou manutenção de poder, lucro financeiro, prevalecimento da sua diretriz religiosa, política, social, econômica, cultural etc, sobre outras. Uma mentira bem contada, com intensidade e abrangência pode convencer mais que uma verdade mal contada, sem convicção, restrita ou omitida. O mesmo pode acontecer quando do exagero, redução, distorção, inversão ou omissão do relato e versão de acontecimento(s) passado(s), presente(s) ou futuro(s); a respeito de uma qualidade ou defeito, erro ou acerto, conforme o verdadeiro interesse e os recursos do “propagandista”. Ser o mais adequado para os receptores costuma ser questão de menor ou nenhuma importância. Você também faz isso no seu cotidiano: percebe ou admite?

Uma ideologia é um conjunto de ideias referentes a uma realidade social; começa a surgir conforme um grupo ou classe vá adquirindo consciência da sua verdadeira condição perante o meio no qual se insere, inclusive, outros grupos e classes. Quanto melhor estabeleça quais condições devem e podem ser mudadas ou conservadas, mais poderá se fortalecer para tentar atingir seu intento.

Propaganda ideológica está presente nas relações entre classes sociais, patrões e empregados, governantes, políticos e povo, pregadores de religião e seus seguidores; também pode acontecer entre vendedores e consumidores, professores e alunos, gravadoras e os fãs dos cantores, emissoras de televisão e telespectadores, estúdios de cinema e espectadores, rádios e ouvintes, jornais e leitores etc. Também entre membros de uma mesma classe ou grupo. Pode acontecer que o divulgador de uma ideologia faça-o com clareza, sem pressões e imposições, facilitando a que os receptores da mensagem a analisem livremente, aproveitem-na no todo ou em parte, ou, recusem-na. Quando isto acontece permeia-se a salutar prática da civilidade e uma pessoa ou comunidade pode se fortalecer e evoluir.

Os meios de comunicação social exercem máxima influência. Existem para entreter, informar e orientar, mas, têm fins lucrativos ou são públicos e subordinados a um governo, por exemplo; precisam de anunciantes, ou, servem governantes e seus pares ou outros grupos. Então, NÃO SÃO IMPARCIAIS, o que não consiste necessariamente num problema, em havendo clareza e lisura (incomum algum declarar sua parcialidade). Grave é quando não são isentos (improvável algum admitir não possuir o predicado da isenção). O propósito pode ser edificante, o discurso é sempre em prol do povo, porém, frequentemente, o objetivo real é o lucro (não só financeiro) do dono (sócios, aliados ideológicos etc.) do veículo de comunicação. Sua penetração imensurável tem dois lados: emburrecem ou ensinam, acomodam ou inquietam, alienam ou engajam, separam ou unem, distraem ou concentram, calam ou fazem falar, param ou fazem agir.

Não importa o emissor e seu propósito real, depende sempre do receptor (você) decodificar a mensagem, porém, é fundamental que aprenda a fazê-lo com parâmetros e propósitos razoáveis, senão, estará demais à mercê de interesses alheios, quais sejam.

Com a licença dos que não acreditam, exemplar realizador de propaganda ideológica é Jesus Cristo, que expôs e não impôs sua mensagem: foi claro, seguro e honesto, a despeito das consequências para Si e seus seguidores. Outros: Mahatma Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Francisco de Assis, Dalai Lama (o atual e, provavelmente, seus antecessores), Chico Mendes, Papa João Paulo II. Nenhum unânime e inquestionável, no entanto, respeitáveis pelo modo como ajudaram ou ajudam a divulgar a ideologia que escolheram e contribuíram para desenvolver. Certamente uma legião de anônimos fez e faz propaganda ideológica útil para a união, conscientização, mobilização e evolução dos seus grupos ou classes. Quem sabe, até você no seu meio. E certamente eu.

Exemplos de usuários e resultados de propaganda ideológica bastante questionável ocupariam não um livro e sim uma biblioteca: Getúlio Vargas, governadores militares pós 1964, governantes e políticos populistas, em todas as épocas e  atuaisíssimos ; Adolf Ritler e Mussolini; sentir e agradar os negros em vários países e épocas; gerações de crianças educadas para odiar quem acredita em Deus de um modo diferente; a indústria do cigarro, por décadas aliando o vício a modernidade, juventude e aventura; a indústria do cinema norte-americano, por décadas a mostrar o índio como selvagem e mau; são alguns exemplos.

Falemos de desempregados (receptores). A tratar do tema, sobram governantes, políticos, radialistas, religiosos, apresentadores de TV, empresários, escolas, escritores, cursos, palestrantes, sites, seguindo outros, a seguir causas, soluções, culpados, o que obedeceriam ou fariam, dar garantias etc Mesmo quando o objetivo deles (emissores) é realmente combater o desemprego, existe outro objetivo: a manutenção e aumento da popularidade, da audiência, das vendas, das matrículas, contratos, dos garantidos de uma doutrina, enfim, lucro ou outro ganho. Em havendo equilíbrio e seriedade, que mal existe? Ocorrerá que para atingir o primeiro objetivo, o emissor quase inevitavelmente se comprometerá e desgastará demais contra muitos receptores, e obterá resultados positivos junto a relativamente poucos. Já para atingir o segundo objetivo, é menor o risco de desgaste considerável ou comprometimento. Porque? É infinitamente mais fácil agradar as pessoas dizendo-lhes coisas que querem ouvir e não as que precisam. Então, com mensagens bem feitas, entre permaneceram e inócuas ou com segundas intenções, o emissor atende a seus próprios interesses, tem crédito e simpatia ante o receptor mesmo que não lhe atenda os interesses essenciais; com mensagens honestas ou francas demais isso seria praticamente impossível. O segundo objetivo costuma vencer, com enorme vantagem. Se emissores adotarem esta prática, ora cômoda, ora oportunista, condená-los individualmente nem sempre é justo: na outra ponta, receptores acomodados e até alienados agiram para seu próprio prejuízo. Um vereador (via assessoria), por exemplo, ao atender desempregados desprovidos de condições mínimas (falta de higiene, educação, força de vontade, qualificação etc), tratá-los-á com simpatia ou formalidade, mas, ignorará o problema ou o afastará para terceiros (a começar por nem explicar ao solicitante quais são as atribuições de vereador); afinal, se for muito sincero, perderá popularidade e arriscará reeleições.

Quanto maior o grau de exclusão e miserabilidade social, econômica e cultural, menos a pessoa conhecerá ou respeitará a sociedade e a cidadania, sua e dos outros, mais dependerá de ajuda, que é de difícil execução por causa da provável resistência do ajudado, sendo mais fácil que terceiros “fechem os olhos” ou se aproveitem da situação também com propaganda ideológica: entre as pessoas que recusam o que precisam saber, entender e fazer costumam estar as mesmas que poderão pensar e fazer o que beneficie a outras, crendo tolamente que o benefício é para elas mesmas…

Na diversidade de impressões, condições e intenções, todo emissor é um receptor também.

É tema complexo. Se consegui despertar-lhe a consciência e o interesse, boas serão as chances de você começar a perceber e mudar situações nas quais sua mente e ações podem deixá-lo a mercê de interesses que podem não ser convergentes com os seus e ainda atrapalham o seu desenvolvimento e satisfação. Aprofunde-se: procure livros sabidamente idôneos que falem sobre comunicação, propaganda, ideologia e temas relacionados. Se você é digno de verdade, o é sem recessos e sem exceções nos seus propósitos e meios para alcançá-los e respeita sinceramente os diferentes e as diferenças. Desenvolva-se com estudo e reflexões constantes para cada vez mais ser  capaz de extrair da diversidade de propagandas aquilo que querem dizer, esconder e incentivar, para o bem e para o mal, sabendo discernir entre fato, boato, versão, ponto de vista e opinião, mais acertando que errando quando precisar estabelecer o que pensar, sentir, falar e fazer: permanece acessível e vanguardista a oportunidade de qualquer pessoa atenta ir criando e inovando na construção de si mesma, enquanto pensadora e realizadora.

José Carlos de Oliveira

Publicado originalmente em 15 de junho de 2004

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